O benzimento existe desde que o mundo é mundo. Agora, a atividade praticada nos diferentes cantos do Estado deve ganhar reconhecimento maior. Foi aprovado na Assembleia Legislativa, nessa quarta-feira (27), o Projeto de Lei 510/2023, de autoria do Padre Pedro Baldissera (PT), que torna as benzedeiras Patrimônio Histórico-cultural Imaterial do Estado de Santa Catarina. Após a aprovação em plenário, o texto seguiu para sanção do governador Jorginho Mello (PL).
— As benzedeiras desempenham um papel importante na promoção da saúde tradicional, oferecendo cuidados preventivos e tratamentos para diversas aflições. Incluir essas práticas no Patrimônio Cultural Imaterial é reconhecer e honrar a contribuição única das benzedeiras para a diversidade de abordagens de saúde existentes no Estado — diz padre Pedro.
Na justificativa do projeto de lei, o deputado também destaca que, no contexto do reconhecimento devido, é essencial destacar a afinidade entre as práticas das benzedeiras e as chamadas Práticas Integrativas, devidamente reconhecidas pelo SUS.
Benzedeira do Oeste aprendeu reza em alemão
Ao se tornar lei, o projeto irá reconhecer pessoas como Célia Ebertz, 64 anos, moradora de Linha Nova, interior de Tigrinhos, no Oeste de Santa Catarina. Agricultora, casada e mãe de três filhos, ela conta que tem na prática da benzedura uma espécie de contentamento na alma.
— Aprendi a benzer ainda pequenininha, com minha mãe que sabia alguma coisa, como picada de cobra e de aranha. Eu gostava tanto de benzer que, com 11 anos, peguei um caderno e fui até a casa de uma vozinha, Alice Kegler, famosa benzedeira, e copiei tudo. Como se falava alemão, mais tarde passei (traduziu) para o brasileiro (português) — conta.
O benzimento não tem hora marcada, desde que seja do nascer ao pôr do sol. O ritual ancestral pode ser no terreiro de casa, sob o avarandado ou perto da capelinha, onde Célia guarda uma imagem grande de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, e outras de santos menores.
Usa três galhinhos de arruda, branco e água benta que pega na igreja. Ela faz o sinal da cruz, invoca Deus e Nossa Senhora e faz sua ladainha.
— Benzo de espasmo, de sol (insolação), quebranto e mau olhado. Também torções, machucados, cortes, verrugas. Tem também quem chegue rendido (dores abaixo do umbigo) e outras causas, que as pessoas falam na hora. Também chegam muitas mães com crianças, algumas com inchaço na barriga, tosse forte, choro — explica.
Célia participa de grupos que trabalham com chás caseiros Os encontros, que às vezes reúnem outras benzedeiras, servem para a troca de experiência e adquirir novos conhecimentos a partir das plantas e das flores. A benzedeira sabe: ela é um instrumento que demonstra a força da fé e de Deus.
— Sabe qual é a recompensa? É uma família mandar uma foto de uma criança brincando, sorrindo, dizendo que foi graças a minha benzedura, mas eu nem lembro mais.
Célia Ebertz recebe pessoas em casa, mas não cobra pela benzedura (Foto: Arquivo pessoal, Divulgação)
Presente em diversas religiões
Com a lei, o reconhecimento que hoje é maior para as benzedeiras da Capital irá se expandir. Em 2018, através do edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura, foi feito o mapa “As Benzedeiras de Florianópolis: Inventando Saberes”.
Um dos objetivos foi levar mais conhecimento à população sobre elas. Construída em religiões diferentes, como catolicismo, umbanda, candomblé, espiritismo, hinduísmo, protestantismo, a prática em Santa Catarina é moldada pela diversidade cultural que caracteriza a formação do Estado.
Dos povos originários, passando pelos negros escravizados e o povo caboclo do Contestado, chegando aos imigrantes europeus que se estabeleceram desde a chegada dos açorianos no litoral.
Lei não garante política pública, diz socióloga
Para a socióloga Tade-Ane de Amorim, que atuou no processo do mapeamento das benzedeiras da Ilha, o projeto de lei de autoria do deputado Padre Pedro é importante enquanto reconhecimento das benzedeiras e benzedores das cidades catarinenses.
Ela destaca a forte presença na região do Contestado, onde com seus ritos relembram principalmente a figura do ‘monge’ João Maria. Da mesma forma, as que atuam em cidades do Vale do Itajaí, como em Jaraguá do Sul, e oriundas da prática no protestantismo, o que é desconhecido para muitas pessoas.
Para a socióloga, a valorização dessa mística é importante. Mas adverte sobre o fato da lei não garantir política pública.
— A simples patrimonialização, ainda que atenda a demanda de um determinado grupo e seja legítima, deve passar pelas fundações culturais (de acordo com a esfera municipal, estadual, federal) a fim de uma ampla discussão embasada em escuta, diálogo e pesquisas. Por causa desses trâmites políticos, a gente vê a linguiça alemã ser transformada em patrimônio cultural imaterial do município de Blumenau ou a Festa do Peão Boiadeiro de Barretos como patrimônio cultural do Brasil. A gente se pergunta: e aí? Precisamos avançar — diz.
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